Passo a explicar. Para tal, servir-me-ei das palavras de Fernando Savater, filósofo e grande pedagogo espanhol, no seu livro "O Valor de Educar" [pp.52-54]. São elas que melhor dirão dos objectivos & intenções deste blogue. Ei-las:
«Em linhas gerais, a educação, orientada para a formação da alma e para a transmissão do respeito pelos valores morais e patrióticos foi sempre considerada de um nível superior ao da instrução, destinada a dar a conhecer competências técnicas ou teorias científicas. (...)
Em contraposição, educação versus instrução, parece hoje notavelmente obsoleta e bastante enganadora. (...). Sucede ainda que separar a educação da instrução se mostra não só indesejável, mas igualmente impossível, uma vez que não se pode instruir sem educar e vice-versa. Como poderemos transmitir valores morais ou de cidadania sem recorrermos a informações históricas, sem termos em conta as leis em vigor e o sistema de governo estabelecido, sem falarmos de outras culturas e países, sem reflectirmos, por elementarmente que seja, sobre a psicologia e a fisiologia humanas ou em empregarmos algumas noções de informação filosófica? E como poderemos instruir alguém em matéria de conhecimentos científicos, se não lhe inculcarmos o respeito por valores tão humanos como a verdade, a exactidão ou a curiosidade?». Ah e também de Pitágoras «eduquemos as crianças e não será necessário castigar os homens»

Coragem... pequeno soldado do imenso exército. Os teus livros são as tuas armas, a tua classe é a tua esquadra, o campo de batalha é a terra inteira, e a vitória é a civilização humana" (Amicis, Edmondo in Cuore)

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

REFLEXÃO/MEDITAÇÃO/ATENÇÃO: Férias, Tempo livre, tempo de graça

Crescer na gratuidade do tempo é assim um imperativo deste final de século, que se concretizará não só na obtenção de tempo livre mas talvez sobretudo no modo como é vivido, dado, permutado.
A criança a quem deixam ser criança é um mestre da gratuidade do tempo. Se a deixarem ser quem é e se tiver pessoas queridas perto de si, "ligando-lhe" sempre que precisa, brinca com as pessoas, com as coisas e as situações, relaciona-se de modo gratuito com o que está à sua volta e explora o que a vida lhe dá. Recebe constantemente a vida e dá vida a tudo e todos quantos estão à sua volta. Saboreia a vida concretizada em grandes e pequenas situações, está sempre a dar e a receber, provoca, desafia, desconcerta, cria.
E também por esta razão que temos de nos fazer como crianças para entrarmos no reino dos Céus. A gratuidade da criança é uma centelha de Deus. Aliás, na criança se encontra não só a gratuidade, mas a graça que nela está e que não se reduz a ser engraçada; a criança mantém a frescura da criação renovada: em cada dia nasce de novo.
 
Foto
Reuters/Ali Jarekji
 
Mas será que hoje abundam entre nós as crianças assim evocadas? Fazemos o possível para que deixem de existir...
Além de termos poucas crianças, achamos que temos de fazer a toda a hora coisas muito mais importantes do que estarmos com elas e com elas nos renovarmos e sobretudo, quanto ao que aqui nos interessa, somos muito interesseiros a seu respeito. Parece que as crianças só têm de corresponder aos padrões que lhes impomos, sejam eles padrões de aprendizagens "cientificamente" escalonadas, sejam padrões de realização que satisfaçam as expectativas dos pais e de quem delas cuida.
Ao contrário do que parece, há crianças, muitas crianças, que não têm tempo livre nem gratuidade na sua vida, nem encontros que para elas sejam significativos. São crianças que estão só pautadas e não aliadas com alguém. Ficam-se pela sua finitude, dóceis ou rebeldes, sem tempo para respirar, saborear, reconhecer, sem tempo para serem mestres do viver no que é o contributo próprio da sua idade para todas as idades.
Entre a criança selvagem e a domesticada, entre a pura espontaneidade e a robotização, entre o boneco sobreprotegido e o "pau mandado", precisamos de encontrar o espaço e o tempo para que as crianças possam brincar e jogar, aprender, crescer, treinar, sorrir, viver, encantar. É de pequenino, e com gratuidade, que se começa a ser alguém.
 
Foto
AP Photo
 
Os adolescentes e os jovens não terão um acesso muito mais aberto ao tempo gratuito. O problema não está em porventura não conseguirem ter tempo livre. Tê-lo-ão ou não, mas para muitos faltam outras condições de gratuidade.
O tempo livre só por si pode tornar-se um tempo vazio. Tempo de isolamento em casa e na rua, de isolamento não porque não estejam com outras pessoas - até estarão muitas vezes com gente demais - não porque não façam isto e aquilo, não porque não pairem sem conversar, mas porque não têm com quem crescer.
Conversar e ser conversado, ter interesses, saber que é bom ser capaz de se deslumbrar, de se dedicar, de conquistar a persistência, de cultivar a disponibilidade, de ganhar confiança em si "próprio e manter a confiança nos outros apesar das desilusões, que é bom saber esperar sem desanimar, saber como é bom ousar comparar-se com os outros sem desesperar, são outros tantos pressupostos da gratuidade que se aprendem à própria custa, mas que dificilmente se aprendem sozinho ou só com gente da mesma idade, sem adultos disponíveis capazes de acolher, aguentar, incitar e também de saber estar.
 
Foto
AP Photo/Charles Krupa
 
É que muitos adultos pensam ser "mais barato", embora menos gratuito, deixar que os adolescentes e jovens se entendam uns com os outros, e só uns com os outros, nos espaços aparentemente abertos, mas de "redoma", porque fechados na sua idade, que para eles sabemos criar. Criamo-los fora de casa ao encararmos a escola como instituição fechada, criamo-los nos locais de diversão, se possível fora de portas, das nossas portas, para que não incomodem, quais novas judiarias - espaços de exclusão -, criamo-los até na rua que deixou de ser de todos para já não ser de ninguém.
Quem tem familiaridade institucional com adolescentes e jovens -os pais, os professores, os outros familiares e próximos - vive com demasiada ansiedade a mudança cultural e o choque cultural.
Face à diversidade de estímulos, de situações, de princípios, de opiniões e modas, pensam que não entendem as linguagens de adolescentes e jovens, do mesmo modo que não sentem nem entendem, por exemplo, a sua música, e "quedam-se" sem ousar partilhar a arte de viver que sentem ou como anacrónica ou incompreendida.
 
FotoReuters/Yannis Behrakis
 
O mais curioso é que adolescentes e jovens com a sua sensibilidade viva propõem aos mais velhos, embora de forma por vezes abrupta, as expressões do lazer, embora sem a arte que dá sentido à expressão. Mas desafiam, e desafiam violentamente por vezes, para um "combate" em que todos ganharíamos se o aceitássemos, construindo alianças de vida fundamentais para uns e outros. Arte da gratuidade, da disponibilidade é, também neste domínio, arte da partilha, embora nem sempre calma, idílica.
Adolescentes e jovens não podem viver num mundo segregado, pago pelos adultos para que eles não incomodem. O adulto precisa de saber "perder" gratuitamente tempo com eles, também para que o adulto deles receba estímulo, e mais que o estímulo os saberes e os recursos para ser capaz de descobrir novos interesses, novas dimensões da vida que esqueceu, para receber o acesso a tecnologias novas e a novas áreas em que se movimenta muito mal.
Faltam-nos, e em Portugal faltam-nos dramaticamente, "movimentos" de adolescência e de juventude, não como novos modos de nos desembaraçarmos destes "excluíveis", mas como instâncias em que adultos e jovens se cruzem gratuitamente.
 
Foto
Jonathon Burns
 
Pagam-se, para crianças, adolescentes e jovens, pequenos cursos e aulas disto e mais daquilo, diversões, saídas, passeios, tudo quanto os possa manter entretidos em "outro mundo" desde que não seja o mundo dos adultos porque estes estão cansados e têm muitas coisas para fazer. Sai mais barato, aqui também, pagar do que dar, porque se se desse, tinha de se trocar e isso tocava, incomodava.
 
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